quarta-feira, 12 de março de 2014

Trinta e Poucos Anos de Puro Orgulho

Naquela tarde de 88; saímos para um passeio escolar, quando a Carlota ainda era praticamente uma vila rodeada por muito mato, corujas e lagartos, muito aquém daquele nobre bairro que vimos hoje, quando passamos pela Avenida Spipe Calarge, no itinerário Coopharádio – Centro.
No caminho de volta para o colégio Municipal Múcio Teixeira, possivelmente algum coordenador optou pelo trajeto inverso, em que atravessaríamos o tão antigo e famoso mangueiral!
Ávidos por diversão, que nessa época se resumia em subir em arvores; chupar mangas e outras trivialidades; dirigíamo-nos ao local, eu, os professores e aquela caravana de tagarelas de meio metro de altura. Acredito que em suma maioria; atravessávamos a melhor fase da vida, em que os nossos maiores problemas, era acordar no horário certo há tempo de assistir Caverna do Dragão e He-Man.
Entre uma viela e outra, em que as calçadas eram de braquiária; observamos aquele caminhão, não se sabe, no entanto se quebrado ou apenas estacionado. Era um caminhão enorme, de cor azul, todo vazado e cheio de tambores, com o símbolo da Texaco ao centro; anos mais tarde, e bem mais trade, fui saber que aquele tipo de caminhão leva o nome de “meloza”. Todos os pequenos o notaram, e não houve quem não se encantou, logico. Que garoto de seis anos não é apaixonado por três, cachorro e caminhões?
Quando não! Quem eu avisto por baixo daquele aglomerado de chassis e borrachas?!? Com aquele macacão sujo e desbotado; cheirando a graxa e óleo diesel. Em um relance, sai correndo em sua direção; para ganhar um abraço que daquele, que sempre foi o meu verdadeiro herói!
Aquelas mãos, que naquele tempo para mim já eram enormes, me envolveram, me apertaram e com a facilidade de um guindaste, me levaram para o alto. A sensação que me envolvia era de voar e na ocasião eu imaginava poder ate tocar as nuvens, caso ele me erguesse um pouco mais. Aquele sorriso, que sempre fora o seu cartão de visitas; se abriu como um girassol nas primaveras de setembro; deixando amostra o branco de seus dentes amarelados pela nicotina de seis cigarros Continental.
Fruto da minha imaginação ou não, vi no olhar de meus colegas do pré-escolar a inveja doce de criança, parece que todos queriam estar no meu lugar, nos braços daquele desconhecido de roupas velhas e rasgadas. Eu, por minha vez, era só sorrisos e alegria, e quem para mim olhava, sabia, certamente que eu conhecia o significado da palavra felicidade.
Conversaram comigo dois ou três colegas de meu velho, que não sabiam o que fazer, para agradar aquele pequeno travesso. Aquele “Pouca-ropa” como na época ele costumava me chamar.
Lembro como se tivesse acontecido há pouco; hoje pela manhã, a face de cada um deles, e a fortuna que seus rostos emanavam; aqueles que tinha no bolso apenas seus maços de cigarros, e aguardavam o horário da partida para tomar seus vinte e cinco centavos de 3 Fazendas ou de conhaque barato.
Se me perguntassem hoje, o que meu pai me deu de aniversario aquele ano, eu não certamente não saberia responder, se perguntassem o que ele me deu quando eu fiz 18 anos, também não consigo me lembrar, se me perguntassem o que ele me deu, ate mesmo ano passado, saberia menos ainda.
Mas se a minha lembrança, que não me trai, não me deixa esquecer é aquele cheiro de pai, que remete a memoria carinho; ternura e cuidado; qualidades essas que sempre foram marcantes naquele velho malandro, que possuía todos nós sabemos, defeitos como qualquer outro. Mas que como pai nunca faltou, nunca deixou a desejar, salvo a vez que ele não me deixou ir ao estádio ver o jogo do Brasil.
Dentro daquele colo, eu olhava por cima para meus amigos, com imensa superioridade, e meus olhos diziam:
Este é meu pai!
Eu sabia que mais tarde ele chegaria em casa; mesmo que embriagado de bebida e cansaço; e me tomaria pelos braços novamente me chamando de Ito e pedindo para que eu levasse seus sapatos ate a área da dispensa.

Hoje, o que eu tenho é só a memoria, que às vezes pode ate me entristecer pela falta e pela saudade que de tão grande chega a doer. Mas que mais me alegra, por saber que foram trinta e poucos anos de orgulho por ter tido um remédio que sempre remediou os meus males. O A.S. de Aparecido Soares.

Um comentário:

Unknown disse...

Que texto lindo meu primo querido. Que delícia sentir o prazer de ler esse depoimento maravilhoso. O carinho que contém cada uma das tuas palavras é tão grande, que tocará o coração de qualquer pessoa que acessar esta preciosa narrativa. Sabe, as vezes parece que a saudade só tem o objetivo de nos fazer sofrer, mas você acaba de provar que isso não é verdade. Obrigado por me permitir conhecer este pedacinho belo da sua história de vida. E não se preocupe, seu paizinho está neste momento, no melhor lugar que existe: "Ao lado de DEUS!" Um abraço fraterno e bem apertado de um primo que não esquece de vocês. Marino de Campinas SP.