Naquela
tarde de 88; saímos para um passeio escolar, quando a Carlota ainda era praticamente
uma vila rodeada por muito mato, corujas e lagartos, muito aquém daquele nobre
bairro que vimos hoje, quando passamos pela Avenida Spipe Calarge, no itinerário
Coopharádio – Centro.
No
caminho de volta para o colégio Municipal Múcio Teixeira, possivelmente algum
coordenador optou pelo trajeto inverso, em que atravessaríamos o tão antigo e
famoso mangueiral!
Ávidos
por diversão, que nessa época se resumia em subir em arvores; chupar mangas e
outras trivialidades; dirigíamo-nos ao local, eu, os professores e aquela
caravana de tagarelas de meio metro de altura. Acredito que em suma maioria;
atravessávamos a melhor fase da vida, em que os nossos maiores problemas, era
acordar no horário certo há tempo de assistir Caverna do Dragão e He-Man.
Entre
uma viela e outra, em que as calçadas eram de braquiária; observamos aquele
caminhão, não se sabe, no entanto se quebrado ou apenas estacionado. Era um
caminhão enorme, de cor azul, todo vazado e cheio de tambores, com o símbolo da
Texaco ao centro; anos mais tarde, e bem mais trade, fui saber que aquele tipo
de caminhão leva o nome de “meloza”. Todos os pequenos o notaram, e não houve
quem não se encantou, logico. Que garoto de seis anos não é apaixonado por
três, cachorro e caminhões?
Quando
não! Quem eu avisto por baixo daquele aglomerado de chassis e borrachas?!? Com
aquele macacão sujo e desbotado; cheirando a graxa e óleo diesel. Em um
relance, sai correndo em sua direção; para ganhar um abraço que daquele, que
sempre foi o meu verdadeiro herói!
Aquelas
mãos, que naquele tempo para mim já eram enormes, me envolveram, me apertaram e
com a facilidade de um guindaste, me levaram para o alto. A sensação que me
envolvia era de voar e na ocasião eu imaginava poder ate tocar as nuvens, caso
ele me erguesse um pouco mais. Aquele sorriso, que sempre fora o seu cartão de
visitas; se abriu como um girassol nas primaveras de setembro; deixando amostra
o branco de seus dentes amarelados pela nicotina de seis cigarros Continental.
Fruto
da minha imaginação ou não, vi no olhar de meus colegas do pré-escolar a inveja
doce de criança, parece que todos queriam estar no meu lugar, nos braços
daquele desconhecido de roupas velhas e rasgadas. Eu, por minha vez, era só
sorrisos e alegria, e quem para mim olhava, sabia, certamente que eu conhecia o
significado da palavra felicidade.
Conversaram
comigo dois ou três colegas de meu velho, que não sabiam o que fazer, para
agradar aquele pequeno travesso. Aquele “Pouca-ropa” como na época ele
costumava me chamar.
Lembro
como se tivesse acontecido há pouco; hoje pela manhã, a face de cada um deles,
e a fortuna que seus rostos emanavam; aqueles que tinha no bolso apenas seus
maços de cigarros, e aguardavam o horário da partida para tomar seus vinte e
cinco centavos de 3 Fazendas ou de conhaque barato.
Se
me perguntassem hoje, o que meu pai me deu de aniversario aquele ano, eu não certamente
não saberia responder, se perguntassem o que ele me deu quando eu fiz 18 anos,
também não consigo me lembrar, se me perguntassem o que ele me deu, ate mesmo
ano passado, saberia menos ainda.
Mas
se a minha lembrança, que não me trai, não me deixa esquecer é aquele cheiro de
pai, que remete a memoria carinho; ternura e cuidado; qualidades essas que
sempre foram marcantes naquele velho malandro, que possuía todos nós sabemos,
defeitos como qualquer outro. Mas que como pai nunca faltou, nunca deixou a
desejar, salvo a vez que ele não me deixou ir ao estádio ver o jogo do Brasil.
Dentro
daquele colo, eu olhava por cima para meus amigos, com imensa superioridade, e
meus olhos diziam:
Este
é meu pai!
Eu
sabia que mais tarde ele chegaria em casa; mesmo que embriagado de bebida e
cansaço; e me tomaria pelos braços novamente me chamando de Ito e pedindo para
que eu levasse seus sapatos ate a área da dispensa.
Hoje,
o que eu tenho é só a memoria, que às vezes pode ate me entristecer pela falta
e pela saudade que de tão grande chega a doer. Mas que mais me alegra, por
saber que foram trinta e poucos anos de orgulho por ter tido um remédio que
sempre remediou os meus males. O A.S. de Aparecido Soares.
Um comentário:
Que texto lindo meu primo querido. Que delícia sentir o prazer de ler esse depoimento maravilhoso. O carinho que contém cada uma das tuas palavras é tão grande, que tocará o coração de qualquer pessoa que acessar esta preciosa narrativa. Sabe, as vezes parece que a saudade só tem o objetivo de nos fazer sofrer, mas você acaba de provar que isso não é verdade. Obrigado por me permitir conhecer este pedacinho belo da sua história de vida. E não se preocupe, seu paizinho está neste momento, no melhor lugar que existe: "Ao lado de DEUS!" Um abraço fraterno e bem apertado de um primo que não esquece de vocês. Marino de Campinas SP.
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